domingo, 29 de dezembro de 2013

O acontecimento do ano

Foto: REUTERS/Stefano Rellandini (retirada daqui)
Ao chegar ao final do ano é normal eleger-se a figura e o acontecimento do ano. No âmbito eclesial e até mundial impôs-se a figura do Papa Francisco. Várias publicações o escolheram como personalidade que marcou o ano que agora termina.

Para além da Time, muitas outras publicações, como a The New Yorker, a Vanity Fair, ou a Foreign Policy o incluíram nas listas das individualidades que se destacaram em todo o mundo no último ano. Em Portugal, várias, como aconteceu com o Correio da Manhã e a revista Sábado, também o elegeram como figura do ano e não haverá nenhuma que não o tenha mencionado nas suas listas de personalidades e acontecimentos de 2013.

Todavia, este “efeito Francisco”, como já foi apelidado nos meios de comunicação social, só foi possível graças à resignação de Bento XVI. Esse acontecimento não tem sido devidamente realçado, mas terá sido o mais significativo para a Igreja e para o seu futuro. Não só por ter aberto caminho ao cardeal vindo do “fim do mundo”, mas, sobretudo, por ter contribuído para uma nova conceção do papado.

Paulo VI terá colocado a hipótese de resignar, quando se sentiu mais debilitado fisicamente, por fidelidade à doutrina conciliar. O Concílio impôs aos bispos que “vendo-se menos aptos para exercer o seu ministério por motivo de idade avançada ou por outra causa grave apresentem a renúncia do seu cargo” (Decreto sobre o Múnus Pastoral dos Bispos, nº 21). Paulo VI acabou por não resignar porque, entretanto, deu-se o rapto do primeiro-ministro italiano Aldo Moro e decidiu permanecer para ajudar a superar essa crise com a sua intervenção.

Caberá ao cardeal Ratzinger dar esse testemunho, ele que foi um dos teólogos mais influentes na reflexão conciliar. Ao renunciar, assume a sua fragilidade e, em sintonia com a perspetiva conciliar, como qualquer outro bispo, renuncia ao seu ministério, para que outro possa tomar o leme da Barca de Pedro e conduzi-la neste conturbado contexto da pós-modernidade. O Papa Francisco, que gosta de se apresentar como bispo de Roma, está a fazê-lo de forma admirável. A resignação de Bento XVI está na sua génese e, não só por isso, pode ser considerada o acontecimento eclesial mais relevante de 2013.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 27/12/2013)

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Boas Festas

Partilho esta imagem do sítio informativo oficial do Vaticano (http://www.news.va/pt) com uma frase do Papa, proferida na audiência do passado dia 18 de Dezembro, em que desafiou os cristãos a serem humildes e pobres como os pobres.

Votos de um Santo Natal e Feliz Ano Novo

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Desinstalar a Igreja

Foto daqui
A frase mais citada do Papa, retirada da Evangelii Gaudium, é, seguramente, “A economia mata”. Mas não é a única. Uma que também é muito referida é: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”.
Não é original da Exortação, mas algo que o Cardeal Bergoglio já repetia em Buenos Aires. Nota-se que é uma frase decantada ao longo de anos vividos em íntima proximidade com o seu rebanho. Não é a formulação de um funcionário do sagrado, confinado à sacristia da sua igreja, mas de um pastor que vive no meio do rebanho e que contraiu o “cheiro das ovelhas”.
Ao longo de toda a Exortação é de tal forma evidente esse odor que este acaba por incomodar alguns narizes, mais habituados ao bafio dos corredores vaticanos. Numa entrevista o cardeal Burke chega a afirmar que, na sua opinião, a Evangelii Gaudium não “está destinada a fazer parte do magistério papal”.
Outros não vão tão longe, mas argumentam que o Papa não diz nada de novo. Que só a forma como o diz é que é original. Procuram, assim, amenizar um discurso que desinstala e põe todos em questão, até o próprio papado.
Há, também, quem sublinhe o estilo pastoral do Papa Francisco, não lhe reconhecendo, ainda, qualquer avanço doutrinal em relação aos seus antecessores. Poderá ser verdade: mas também é certo que se abriram perspetivas para relançar a reflexão no interior da Igreja. 
Na Exortação o Papa convoca exegetas e teólogos para ajudar a Igreja a “crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade”. Abre essa reflexão ao contributo da filosofia e das ciências sociais. Consciente que “a quantos sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá parecer uma dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspetos da riqueza inesgotável do Evangelho”.
Se todos souberem corresponder aos apelos do Papa, notar-se-ão em breve os avanços na forma de compreender e viver hoje a doutrina – imutável nos princípios, mas actualizável nas prioridades – da Igreja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 20/12/2013)

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Um Papa global

O Papa Francisco está a tornar-se numa fenómeno verdadeiramente planetário. Não só por liderar uma instituição com presença em todo o mundo, mas porque a sua palavra se dirige de forma direta aos grandes problemas de toda a humanidade. Ergueu a sua voz, por diversas vezes – também na Evangelii Gaudium – para denunciar a “globalização da indiferença”. Apela ao empenhamento de todos, em particular dos católicos, para “eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos”. Os pobres e excluídos ganharam o lugar central no seu discurso e nos seus gestos.

Esta semana, foi apresentado como personalidade do ano, pela revista Time. Não é a primeira vez que um Papa recolhe esta classificação, conferida a quem durante o ano marcou a atualidade. Já aconteceu o mesmo com João XXIII, em 1962, e com João Paulo II, em 1994. Em ambos os casos, vários anos depois de terem assumido o papado. Ao atual Bispo de Roma bastaram apenas nove meses para se impor no espaço mediático. A diretora da Time justifica, precisamente, a escolha do Papa para capa da próxima semana, por “ser raro que um novo ator do cenário mundial suscite tão rapidamente a atenção tanto entre os jovens como entre os mais velhos e de igual modo entre os crentes e os céticos”.

Alguns acham que o sucesso mediático do Papa Bergoglio se deve às características do seu discurso, que todos compreendem, sem a linguagem hermética e complexa típica dos eclesiásticos.
Outros leem nas palavras e gestos do Papa uma estratégia refletida e exemplarmente implementada, para recuperar a base social de apoio, abordando temas e dando destaque a acontecimentos que marcam a atualidade.

Apesar de já ter dito que não se sente confortável nos palcos mediáticos, tem demonstrado uma facilidade de comunicação e um à vontade extraordinário. Contudo, essa eficácia não se deve tanto a uma estratégia delineada, nem é fruto de qualquer “media training” para a presença pública, a que se submetem tantos líderes mundiais: a sua eficácia comunicativa advém da sua autenticidade e coerência. Diz o que pensa e age em conformidade. Um grande exemplo, a ser seguido por outras lideranças eclesiásticas e até políticas.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 13/12/2013)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

As mulheres na Igreja


Foto do sítio reparatoris.com
O Papa Francisco, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, afirma categoricamente que “o sacerdócio reservado aos homens (…) é uma questão que não se põe em discussão”. Mas acrescenta que “é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja” e deixa esse desafio aos pastores e aos teólogos. Em poucas linhas, encerra a discussão em volta da ordenação de mulheres e abre o debate sobre o seu papel na vida da Igreja.

No enquadramento da questão do acesso feminino à ordenação, o Papa esclarece que o sacerdócio tem de ser entendido como uma função, um serviço, que não dá uma maior dignidade ou superioridade a quem a desempenha. Na Igreja a maior dignidade é conferida pelo Batismo, “que é acessível a todos”, sublinha o Papa.

A reflexão em torno desta questão inicia-se com o reconhecimento da “indispensável contribuição da mulher na sociedade, com uma sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares, que habitualmente são mais próprias das mulheres que dos homens”.

A Igreja não pode dar-se ao luxo de prescindir dessas características e deve garantir a presença feminina “nos vários lugares onde se tomam as decisões importantes, tanto na Igreja como nas estruturas sociais”. É evidente que Papa está mais preocupado em garantir a participação da mulher nos espaços de decisão do que em discutir o acesso ao sacerdócio. É um “grande desafio” que ele confia aos pastores e teólogos, que podem “ajudar a reconhecer melhor o que isto implica no que se refere ao possível lugar das mulheres onde se tomam decisões importantes, nos diferentes âmbitos da Igreja”.

Hoje, alguns desses espaços são exclusivos dos clérigos. Os leigos não lhe têm acesso. Pensemos por exemplo no Colégio de Consultores, que todas as dioceses são obrigadas a ter e que o bispo é obrigado a consultar em determinadas decisões e, nas mais importantes, a obter o seu consentimento. Teremos no futuro nessa e noutras estruturas, agora clericais, a inclusão de leigos e o contributo da perspetiva feminina?

Corresponder ao desafio do Papa implicará necessariamente uma conversão profunda das mentalidades. E, sobretudo, uma mudança na forma atual de governar a Igreja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 06/12/2013)

domingo, 1 de dezembro de 2013

Uma Igreja para a rua

O Ano da Fé concluiu-se com a publicação da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), sobre o anúncio do Evangelho no Mundo atual. O título e o assunto evocam, imediatamente, a Gaudium et Spes (Alegria e Esperança), o texto do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no mundo atual. A leitura do documento papal revela que as coincidências não se ficam pela utilização das palavras. Constata-se que é a mesma perspetiva sobre o mundo e o mesmo dinamismo que se quer imprimir à Igreja.

A Gaudium et Spes é “o olhar amoroso da Igreja sobre o mundo, a cara carinhosa da Igreja sobre as realidades terrenas”, para Ramón Cazallas Serrano, missionário da Consolata, numa entrevista a António Marujo, publicada no livro “Quando a Igreja desceu à Terra”. O texto conciliar desafiou os cristãos a saírem da sacristia e a comprometerem-se com “as alegrias e esperanças” da humanidade. “O sonho e a ousadia de João XXIII lançaram a Igreja num diálogo aberto com a modernidade”, afirma aquele sacerdote.

O Papa Francisco lança o mesmo olhar sobre o mundo e sonha com uma Igreja “em saída” para a rua. Constituída por pessoas que testemunham a alegria do Evangelho com espírito missionário, que “tomam a iniciativa”, “que se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam”.

A grande diferença entre os dois documentos advém do estilo próprio do cardeal Bergoglio. Utiliza uma linguagem bem mais acessível e um timbre maternal.

“A boa mãe sabe reconhecer tudo o que Deus semeou no seu filho, escuta as suas preocupações e aprende com ele. O espírito de amor que reina numa família guia tanto a mãe como o filho nos seus diálogos, nos quais se ensina e aprende, se corrige e valoriza o que é bom”.

Por vezes a mãe vê-se obrigada a repreender o seu filho. Não para o humilhar, mas para o ajudar a ser melhor. É assim que devem ser lidas as contundentes críticas que o Papa não se coíbe de fazer, tanto para dentro como para fora da Igreja.

Ainda que o Ano da Fé não tivesse tido outros frutos, pelo menos dotou a Igreja de um texto programático. Um guião para a sua ação no mundo atual, que deve ser lido e relido, debatido e meditado, em ordem à sua efetiva implementação.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 29/11/2013)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O CR7 da política

Após a vitória de Portugal contra a Suécia, milhões de portugueses, brasileiros e fãs de Cristiano Ronaldo em todo o mundo suspiraram de alívio. A seleção e o seu “comandante” asseguraram a presença no Mundial do Brasil.

Ao longo do desafio experimentaram-se as emoções mais díspares. A apreensão dos primeiros minutos e a irritação com as oportunidades perdidas. O descanso com o primeiro golo e depois o adormecimento. O susto com os dois tentos suecos, com o ressurgir dos pensamentos mais derrotistas. Finalmente, o alívio e a certeza da passagem à fase final do Mundial.

Nos minutos finais do jogo os comentadores sublinhavam o contributo decisivo de Ronaldo, que carregou a equipa às costas e a retirou do buraco em que se tinha metido. Todos os três golos deixaram bem evidente a genialidade do avançado português. Aproveitou três passes que o isolaram, cavalgou para a baliza e marcou.

No dia a seguir dificilmente algum português não sabia que Portugal tinha carimbado o passaporte para o Brasil. A esmagadora maioria sabia quem tinha marcado os três golos. Provavelmente, poucos se lembravam de quem tinha feito os passes de morte para o melhor jogador do mundo poder faturar. Não lhe retirando o valor, que é indiscutível, também é de realçar o papel de Moutinho e Hugo Almeida que lhe colocaram a bola em condições para ele poder brilhar.

Durante noventa minutos e mais algumas horas, Portugal esqueceu a crise, o défice e a troika. Porém, logo no dia seguinte, os que foram ressarcidos dos subsídios que não tinham recebido viram evaporar-se-lhes a alegria, ao constatarem as migalhas que recebiam. Os que não tinham emprego, nem isso receberam; provavelmente, continuam desempregados e sem motivos para se alegrarem. Aos que passam mal por causa da crise não foi a vitória de Portugal que lhes resolveu os problemas.

Todos aspiramos a um CR7 da política. Que retire o país do buraco em que se meteu. Que saiba encontrar as pessoas certas que lhe “passem” as estratégias adequadas para vencer a crise. Que não desperdice as oportunidades. E que dê a volta ao futuro de Portugal. Tal como a Igreja Católica parece já ter encontrado o seu para a liderar.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O Sínodo de Francisco

A atenção mediática concentrou-se no inquérito preparatório do próximo Sínodo dos Bispos, o que é compreensível pelas temáticas abordadas, tendo passado quase despercebida a renovação que o Papa quer introduzir nessa estrutura e a originalidade do documento que o contextualiza e prepara.

Na entrevista concedida a António Spadaro, publicada nas revistas dos jesuítas de todo o mundo, o Papa Francisco reconhecia: “Na minha experiência de superior na Companhia, para dizer a verdade, nem sempre me comportei assim, ou seja, fazendo as necessárias consultas. E isso não foi uma boa coisa”. Erro que agora não quer repetir no governo da Igreja.

Para o evitar, a primeira medida que tomou em ordem a tornar o papado mais colegial, foi a nomeação dos oito cardeais com a responsabilidade de analisar os dossiers mais complexos e de o ajudar a tomar as decisões mais acertadas. Na mesma linha, pretende fazer com que o Sínodo dos Bispos se transforme numa estrutura “quase permanente de consulta”, como revelou o arcebispo italiano Lorenzo Baldisseri, secretário do Sínodo, na apresentação da próxima reunião desse organismo.

O jornalista Sandro Magister, no sítio religioso da internet, ligado à revista italiana “L'Espresso”, sublinha, para além dessa renovação no funcionamento, a novidade da modalidade adotada na sua preparação. “Todos os Sínodos anteriores, no arco de meio século, haviam sido precedidos por documentos preparatórios prolixos, abstratos e chatos”, diz Sandro Magister. Neste, o texto que antecede as questões do tão divulgado inquérito é “um documento de trabalho conciso e concreto”.

Numa primeira parte faz-se a descrição das principais problemáticas, “até há poucos anos inéditas”, que afetam a família e “exigem a atenção e o compromisso pastoral da Igreja”. Segue-se-lhe a exposição da conceção bíblica da família e dos ensinamentos do magistério da Igreja, desde o Concílio Vaticano II até à encíclica “Lumen Fidei”.

Apesar de breve, este documento, consegue dar uma radiografia bastante completa da temática da família e uma síntese extraordinária dos textos bíblicos e do pensamento da Igreja contemporânea sobre o assunto.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O inquérito Papal

O Papa divulgou, na semana passada, o desejo de consultar toda a Igreja sobre a problemática da família. Esta iniciativa foi considerada por vários média como inédita e sem precedentes. Contudo, é um procedimento habitual na preparação de qualquer Sínodo dos Bispos.

O Sínodo dos Bispos, tal como se desenvolve na atualidade, é um organismo instituído pelo Papa Paulo VI a 15 de Setembro de 1965, quando ainda decorria o Concílio Vaticano II. Surge como resposta aos anseios dos padres conciliares de uma maior colegialidade episcopal, e de uma maior abertura da Igreja à participação de todos, que o atual Papa quer intensificar. Tem como principal missão ajudar o “Romano Pontífice” a aclarar e a consolidar as questões de fé, dos costumes e da disciplina, bem como a relação da Igreja com o mundo, como define o Código de Direito Canónico, no cân. 342.

Todos os Sínodos têm sido precedidos por uma consulta aos fiéis de todo o mundo. Todavia, nunca um documento preparatório teve tanta divulgação mediática como este último. Não foi só por ter sido anunciado pelo Papa, mas, sobretudo, pela temática que é colocada à reflexão de todos. São assuntos polémicos, dentro e fora da Igreja, dos quais os média têm destacado os seguintes: as uniões de facto, os divorciados recasados, as uniões homossexuais, a adoção de crianças por estes últimos.

Para realizar a auscultação das pessoas têm-se seguido diferentes metodologias. Nos Estados Unidos, os bispos confiaram aos párocos a responsabilidade de recolher as respostas dos seus paroquianos e elaborarem uma síntese de todas as opiniões manifestadas. No Reino Unido o inquérito foi disponibilizado na Internet e pode ser respondido de forma anónima, competindo à Conferência Episcopal retirar as conclusões a enviar para Roma. No nosso país, ainda não foi definida a forma como os fiéis vão ser ouvidos.

Como resultado desta auscultação e da reflexão dos bispos durante o Sínodo, será publicada uma Exortação Apostólica, assinada pelo Papa. Não se preveem mudanças na doutrina católica sobre o matrimónio e a família, mas é razoavelmente seguro que a forma da Igreja lidar com estas questões não será a mesma depois deste Sínodo.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Santos sem cemitérios

Hoje a Igreja Católica celebra a Solenidade de Todos os Santos. Num dia recorda todos os homens e mulheres que vivem para sempre junto de Deus. Uns têm sido declarados santos, ou seja, canonizados, ao longo destes vinte séculos de história, e são festejados ao longo do ano. Outros são-no de facto, apesar de ainda não terem sido reconhecidos, e são lembrados no dia de hoje.

Apesar de este ser o verdadeiro sentido da solenidade, que hoje se comemora, nos últimos anos, por ser feriado, aproveitava-se esta data para fazer a visita aos cemitérios. Antecipava-se assim para o dia anterior o que deveria acontecer no seguinte, o dia dos Fiéis Defuntos. Com o passar dos anos, generalizou-se a ideia de que este era o dia próprio para ir aos cemitérios. Transformaram-se, assim, os Santos em Finados.

Por isso, estranhou-se que a Igreja tivesse aceitado suprimir este em vez de outro feriado religioso, como por exemplo o 15 de Agosto. Esta teria sido provavelmente uma melhor opção. A maioria dos trabalhadores, devido ao calendário letivo, tem de marcar as suas férias para esse mês, pelo que a supressão do feriado não iria afetar as inúmeras festas que acontecem nessa data, em todo o país – uma das razões invocadas para o manter. Mas não foi esta a opção seguida, diz-se que por pressão da Madeira e do seu presidente regional.

Este ano, os Fiéis são a um sábado, pelo que muitos poderão visitar o cemitério. Neste sentido, é uma oportunidade para a Igreja libertar os Santos da recordação dos defuntos e fazer, no dia que lhe pertence, as orações de sufrágio, nos cemitérios. No próximo ano ainda se poderá desenrolar esse ritual no dia certo, pois será um domingo. Nos anos seguintes, terá de se encontrar a data mais propícia, sábado ou domingo, para fazer essa homenagem aos entes queridos. Dificilmente voltará a ser nos Santos, pelo menos, enquanto se mantiver a supressão do feriado.

Duvida-se, valha a verdade, dos benefícios que possam advir para a economia do país da supressão de um feriado. Mas, pelo menos, a Igreja Católica ganhou com a purificação do dia de Todos os Santos do contágio dos sentimentos próprios do dia de Fiéis Defuntos.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Uma Igreja pós-moderna

Apenas uma semana após a eleição do Papa Francisco, a página da Internet espanhola de informação religiosa “Religión Digital” referia que “os primeiros gestos e decisões de Bergoglio geraram uma onda de otimismo e apoio sem precedentes nos últimos pontífices”. Ao mesmo tempo, desenhava-se uma “oposição silenciosa” no interior da Igreja que ia aflorando numa ou noutra crítica.

Há dias, o mesmo sítio noticiava que “sectores tradicionalistas questionavam abertamente o pontificado de Francisco”. Citava uma reportagem do jornal norte-americano “The Washington Post” em que se dava conta das preocupações e desconfortos de muitos católicos, que, com os Papas anteriores, se habituaram a um magistério que ajudava as pessoas a construir com clareza a “identidade católica”.

Parece redutora a leitura de que os conservadores se opõem às novas ideias do Papa e que os progressistas estão satisfeitos com a sua atuação. A questão é bem mais profunda.

Tanto João Paulo II como Bento XVI “enfatizavam a importância de uma doutrina clara que não deixe lugar a dúvidas, em especial em temas relacionados com a reprodução humana e o matrimónio”, para evitar que “os católicos se percam num mundo cada vez mais relativista”, como refere o “Religión Digital”. Ambos compartilhavam a mesma perspetiva porque o edifício teórico foi gizado pela mesma pessoa: o cardeal Ratzinger.

O Papa Francisco, veio abalar a estabilidade desse edifício, não tanto por preocupações progressistas ou conservadoras, mas por defender uma nova perspetiva. O cardeal Ratzinger, herdeiro de uma tradição multisecular de organizar todas as realidades de forma racional, dedicou-se a pensar a fé e a definir os procedimentos e as regras, que ajudam as pessoas a serem melhores cristãs. O cardeal “vindo do fim do mundo” está mais preocupado com o acolhimento aos que vivem longe da fé, “as periferias geográficas e existenciais”. Nesse sentido, está em sintonia com uma das ideias mais caras à pós-modernidade: a abertura ao Outro. Esta não é uma ideia estranha ao discurso de Jesus: este recusou-se a definir quem é o próximo – na “parábola do Bom Samaritano” – mas desafiou todos a serem próximos de quem precisa.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Deus tem futuro?

O padre Anselmo Borges provoca as mais variadas reações.

Para uns é uma voz profética e clarividente; para outros, uma voz incómoda e quase herética. Já, por diversas vezes, tropecei nas redes sociais em considerações pouco abonatórias sobre ele. Os que se assustam com a mínima beliscadura à doutrina da Igreja, evidentemente não suportam as suas reflexões de fronteira, por vezes críticas e desalinhadas do pensamento oficial. Os que não se conformam a uma aceitação acrítica das questões da fé são espicaçados, pelas suas posições, a aprofundar as razões para acreditar. Para uns e outros, não há dúvidas de que é um provocador.

Provocatória, como o próprio assumiu, é também a questão: “Deus ainda tem futuro?”. Este foi o mote escolhido para mais uma edição dos colóquios “Igreja em diálogo”, que decorreram no fim de semana passado. Para os crentes, colocar desta forma a questão “terá até um sabor a blasfémia”. Para os não crentes “a pergunta não tem sentido”, reconhece Anselmo Borges. Esclarece que o que se pretende verdadeiramente é refletir sobre se “Deus ainda tem futuro na e para a Humanidade”. Discutir a importância de Deus no contexto de uma sociedade em crise.

Ao longo do fim de semana, crentes e não crentes refletiram sobre a relevância da religião e da crença em Deus num mundo em mudança. Paul Clavier, citado por Anselmo Borges, terá dito que “a existência de Deus é um assunto demasiado sério para ser confiado exclusivamente aos crentes”. Com o contributo de todos, entre outras conclusões, percebeu-se a necessidade de recuperar a religião para resgatar a sociedade contemporânea. “Se é verdade que o humanismo foi muitas vezes construído em oposição às religiões, também o é que estas por sua vez podem agora, num mundo secular desencantado, tornarem-se preciosos garantes de um ideal humanista, ameaçado por uma mercantilização e tecnicização cegas”, disse o sociólogo Jean-Paul Willaime, professor na Sorbonne, Paris.

Eu atrever-me-ia a dizer que necessitamos de ser resgatados da idolatria dos mercados e redescobrir o Deus que tem no ser humano a sua obra-prima. E que possui, por isso mesmo, uma dignidade divina inviolável e inegociável.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Francisco em Assis

Em Assis o Papa revisitou as temáticas que tem proposto ao longo destes seis meses de pontificado: os mais pobres, as “periferias existenciais e geográficas”, a colegialidade.

Assis é a terra em que o filho de um rico mercador descobriu a alegria de nada ter. O Cardeal Bergoglio ao escolher o nome de Francisco deixou clara a sua opção pelos mais pobres e o seu programa para a Igreja do século XXI. Como na Idade Média, o Papa quer que os cristãos redescubram o valor do despojamento.
A visita a Assis era esperada desde a sua eleição. Realizou-se no dia 4 de Outubro, data em que se celebra S. Francisco. Foi uma intensa jornada, em que o Papa esteve com clérigos e religiosos, jovens e crianças, membros dos Conselhos Pastorais da diocese de Assis e, sobretudo, os mais pobres, com quem almoçou.

Visitou o lugar em que S. Francisco se desnudou para não ficar com nada do que tivesse recebido de seu pai. Especulou-se que o Papa iria apelar ao abandono das vestimentas próprias dos bispos e cardeais. De improviso esclareceu que o despojamento que o preocupa não é tanto o dos trajes eclesiásticos, mas é o da “mundanidade”, a qual grassa no seio de Igreja e deve ser combatida por todos os fiéis.

Uma outra preocupação, que traz da Argentina, é a de estar presente junto dos mais desprezados e marginalizados. “Quero sublinhá-lo, até porque é um elemento que vivi muito quando era arcebispo em Buenos Aires: a importância de sair para ir ao encontro do outro, nas periferias, que são locais mas são sobretudo pessoas, situações de vida”, disse-o ao clero, consagrados e representantes da diocese.

As reuniões dos cardeais que precederam o Conclave identificaram como prioridades para este Pontificado a reforma da Cúria Romana e um reforço da colegialidade episcopal. Para dar continuidade a esse apelo do Colégio Cardinalício, o Papa nomeou oito cardeais que, na semana passada, deram conta do trabalho desenvolvido durante os últimos meses. O Papa fez-se acompanhar na visita a Assis por esse grupo de cardeais, talvez para dar o sinal de que, com eles, quer dar resposta ao mesmo apelo que S. Francisco ali escutou, há oitocentos anos: “Reconstrói a minha Igreja”…

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A Igreja e as eleições

O respeito pela autonomia da atividade política em relação aos ditames da religião tem-se consolidado no pensamento oficial da Igreja Católica. Não é, todavia, e infelizmente, respeitado em todas as latitudes e em todos os contextos religiosos. O Papa Francisco, numa entrevista, publicada esta semana no jornal italiano “La Repubblica, afirma claramente que “a política é a primeira das atividades civis e tem um campo próprio de ação que não é o da religião. As instituições políticas são laicas por definição e operam em esferas independentes”.

Contudo, os cristãos devem intervir na política de acordo com os valores em que acreditam e pô-los em prática. Mas, a Igreja deve restringir-se “a expressar e difundir os seus valores”.

A Revolução dos Cravos pôs fim a alguma promiscuidade entre o Estado Novo e a Igreja. No entanto, no pós-25 de Abril, tanto à esquerda como à direita, vários foram os clérigos que continuaram a imiscuir-se na política, assumindo posições político-partidárias. Até há bem pouco tempo, não faltavam exemplos de líderes religiosos que não se coibiam de dar indicações de voto nas vésperas de eleições, desrespeitando mesmo o período de reflexão que as antecede. Felizmente, a Igreja Católica em Portugal nos últimos atos eleitorais tem preferido apelar à participação de todos, respeitando a consciência de cada um.

Nas últimas eleições, os bispos limitaram-se a alertar que a abstenção conduz ao “beco sem saída da desistência de contribuir para melhorar a vida da comunidade”. E sustentaram que “a todo o cidadão pertence oferecer a sua ativa colaboração, especialmente quando é convocado para votar”. Aos “profissionais da política”, os bispos portugueses pedem que se empenhem em exercer a sua atividade com “honestidade, competência e espírito de serviço”.

Em sintonia com o Papa Francisco, os bispos portugueses apelaram para que os cristãos se empenhem ativamente na vida política e trabalhem pelo “bem comum”. O respeito pela laicidade da política exige que a Igreja saiba manter este registo: não se imiscuir nas questões político-partidárias, nem se demitir de denunciar as opções políticas que vão contra os valores que defende.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

“Alô, sou o Papa…”

Sucedem-se os relatos de pessoas surpreendidas por um telefonema do Papa. No último domingo, o Papa Francisco telefonou a uma mulher argentina, vítima de violação, e à mãe de um empresário italiano assassinado. Na quarta-feira anterior, tinha chamado um jovem estudante de Pádua que lhe tinha enviado uma carta através de um cardeal.

Parece que é normal ele ligar, diretamente, a jornalistas que conhece pessoalmente, ou a amigos quando têm alguém doente ou fazem anos. Foi noticiada uma chamada a um sacerdote argentino para felicitá-lo pelo seu aniversário, no início de Abril. Apenas dois dias após a sua eleição, surpreendeu o porteiro da Cúria Geral dos jesuítas, identificando-se como o Papa e pedindo para falar com o Superior Geral. No dia da Missa Inaugural do seu Ministério, dia 19 de Março, telefonou aos fiéis reunidos em Vigília de Oração, na Praça de Maio, em Buenos Aires, e a Bento XVI, felicitando-o pelo seu onomástico, S. José.

Mesmo para tratar de assuntos mais comezinhos, não pede a ninguém que o faça. Prefere fazê-lo ele mesmo. No dia anterior à sua tomada de posse telefonou ao dono do quiosque em Buenos Aires onde comprava os jornais, todos os dias, para cancelar a reserva. No início de Abril, foi o seu sapateiro de há 40 anos que foi surpreendido por uma chamada papal, para lhe encomendar sapatos.

Todos estes telefonemas papais, como tantos outros gestos, revelam a humanidade que carateriza Jorge Mario Bergoglio e que ele não perdeu ao assumir a responsabilidade de liderar a Igreja Católica. Como não tinha perdido ao ocupar outros cargos relevantes na sua estrutura. Por outro lado, traduzem, em atos concretos, a preocupação que tem manifestado por palavras em quase todos os seus discursos para com as “periferias geográficas e existenciais”.~

Para quem os recebem, para além de inesperados e surpreendentes, são momentos significativos, que transformaram as suas vidas. O estudante contactado pelo Papa, sem revelar o teor da conversa, não esconde a alegria e o ânimo que ele lhe transmitiu. E a mulher argentina violentada reconhece que o diálogo com Bergoglio a fez recuperar a “paz e a fé, e a força para continuar a lutar” pela justiça.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Papa sem férias

O clima quente e abafado de Roma no mês de Agosto faz com que a maioria dos romanos abandone a cidade. Os Papa costumavam ir para Castelgandolfo. Francisco decidiu continuar no Vaticano e não fazer férias, para gáudio dos muitos turistas, que, durante este mês, visitam Roma.

Desde a sua eleição que a Praça de S. Pedro se enche para a audiência geral às quartas e para o Angelus ao domingo. Nem o calor faz diminuir o número dos que acorrem à praça para verem e ouvirem o Papa. Muitos dos que participam nesses encontros têm testemunhado que estão a reaproximar-se da Igreja, atraídos pela lufada de ar fresco que tem representado para a Igreja a eleição do cardeal “vindo do fim do mundo”. O sítio "Vatican Insider" recolheu alguns desses testemunhos no domingo passado, como o de Danilo Zappieri, de 33 anos, que confidencia: “Tinha-me afastado da Igreja, mas este Papa, primeiro, despertou-me curiosidade, pelo seu estilo direto e informal, depois conquistou-me com palavras e gestos de profunda humanidade. Comecei a ler as suas homilias e reencontrei a fé. Em particular, surpreendeu-me comoveu-me quando disse que a redenção é para todos, não só para os crentes”.

Se o despojamento e a simplicidade do Papa têm atraído muitos dos que andavam afastados da Igreja em ambientes mais tradicionalistas e conservadores, começam a notar-se alguns sinais de desconforto. Para além de não aceitarem bem algumas das inovações litúrgicas introduzidas pelo Papa, esperavam que ele fosse mais incisivo na defesa das posições da Igreja em matérias como o aborto, a eutanásia ou a homossexualidade.

Outros sectores começam a demonstrar alguma impaciência com a lentidão na reforma da Cúria Romana. Os que conhecem melhor o percurso do atual bispo de Roma testemunham que ele é determinado nas suas opções, mas não gosta de tomar decisões apressadas. Para o ajudar nas reformas a introduzir, nomeou oito cardeais e, depois de os ouvir, provavelmente depois do mês de Agosto, procederá à remodelação do governo da Igreja e fará as nomeações que se aguardam, a começar pelo Secretário de Estado, uma espécie de primeiro-ministro da Santa Sé. Essa será mais uma razão para não ter ido de férias.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Um tonto Agosto

Quando os políticos vão a banhos, normalmente entra-se na “silly season”. A “estação parva” ou “estação tonta”, numa tradução livre do inglês. Esta expressão foi utilizada pela primeira vez em 1861, num artigo da Saturday Review, para se referir a este período, em que não havendo notícias do mundo da política, se enchem as páginas dos jornais, dando destaque a notícias sensacionalistas, que noutra época do ano seriam consideradas irrelevantes.

Nos finais de Julho, depois de toda a agitação política em torno das demissões, irrevogáveis ou não, das negociações falhadas para uma solução de “salvação nacional e da “recondução” do atual governo com a aceitação presidencial da remodelação, anunciava-se um tempo de acalmia política durante o mês de Agosto.

Eis senão quando, somos surpreendidos pelo retomar das conferências de imprensa do Governo. Uma ideia peregrina, que veio a revelar-se fatal para o Secretário de Estado do Tesouro, Joaquim Pais Jorge, que se deixou enredar no meio da polémica dos “swaps”.

Mas este mês ainda nos reservava outras surpresas. Graças a uma lei eleitoral mal elaborada, assistiu-se a decisões contraditórias dos tribunais. Uns a permitirem que candidatos que já tinham cumprido três mandatos à frente de uma câmara municipal se pudessem candidatar a outro município. Outros a impedi-lo.
Tudo isto porque a lei foi mal elaborada e permite as duas interpretações e porque o PSD e PS não se entenderam nas negociações para a clarificação da lei, há alguns meses. Para o PSD o que se pretendia com a atual lei eleitoral era evitar que os autarcas se perpetuassem no poder, à frente de uma câmara, mas não veem problema em que se candidatem a outra. O PS não aceita candidatos que já tenham cumprido três mandatos. Como nenhum cedeu – o primeiro, porventura, para permitir a candidatura de Meneses ao Porto e o segundo para a dificultar – permitiram este triste espetáculo jurídico-político.

Esta e outras trapalhadas legislativas estão a descredibilizar os deputados, que, aos olhos do cidadão comum, ou são incompetentes no seu trabalho, ou então, o que será mais grave, só produzem as leis que convêm ao partido e às suas clientelas.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A funcionalização do clero

Um estudo sobre o perfil psicológico do clero católico nos Estados Unidos, revela que os sacerdotes são mais “introvertidos”, menos abertos à mudança e mais preocupados com as estruturas do que com o acolhimento às pessoas, do que há 20 ou 30 anos. O estudo foi conduzido pelo inglês Leslie Francis, um perito em psicologia religiosa, e publicado no último número da revista “Pastoral Psychol”, sob o título: “Psychological Type Profile of Roman Catholic Priests: An Empirical Enquiry in the United States”.

Os autores advertem que a amostra foi muito reduzida e o estudo apura algumas tendências que precisam de ser aprofundadas. Em relação aos dados recolhidos, o perfil psicológico dos padres norte-americanos revela que são pessoas que preferem remeter-se aos templos e menos interessados em estar na “vida pública e social”. Preocupam-se mais com a fidelidade à tradição do que em a reajustar às circunstâncias “das novas gerações”. Parecem mover-se mais pelo dever do que pelo amor. Demonstram menos flexibilidade que no passado. Não pedem nem incentivam a participação dos leigos, que devem submeter-se às suas orientações, metas e objetivos, de forma acrítica.

Não parece um retrato muito favorável dos presbíteros norte-americanos. A não ser para aqueles que gostam de ver os sacerdotes confinados às sacristias, completamente fora da vida pública e longe das questões das suas terras, países e do mundo em geral. Ou para os que os querem reduzir a “funcionários do sagrado”, meros administradores de sacramentos e cumpridores escrupulosos das normas disciplinares da Igreja: “alfândegas da fé”, como lhes chamou o Papa Francisco.

Por esta e outras expressões, bem como pelas suas atitudes, já se percebeu que esse não é o perfil do clero que o Papa pretende. Já por diversas vezes apelou para que se empenhassem em ir ao encontro das pessoas que deambulam nas “periferias existenciais”. Pediu um maior investimento no acolhimento e uma menor preocupação na aplicação da disciplina eclesiástica. Ainda, recentemente, perante os bispos brasileiros, apelou à “criatividade do amor”, que é muito mais profícua do que “a tenacidade, a fadiga, o trabalho, a planificação, a organização”.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

A Revolução da Ternura

Quem acompanhou a visita do Papa ao Brasil lendo os títulos dos jornais, pode não se ter apercebido da profundidade e do significado para o futuro da Igreja das palavras e, sobretudo, dos gestos de Jorge Mario Bergoglio.

Desde a primeira hora, até pela viatura escolhida no aeroporto, percebeu-se que não se tratava da viagem de um chefe de Estado, ou do Sumo Pontífice, mas de uma verdadeira visita pastoral do Bispo de Roma aos seus diocesanos de todo o mundo, congregados nas Jornadas Mundiais da Juventude. Foi o regresso do cardeal ao contacto próximo com os seus concidadãos. Algo que privilegiava quando era arcebispo de Buenos Aires, e de que sente saudades, como confidenciou aos jornalistas no avião. Por isso, exigiu a suavização das medidas de segurança, para que o pastor pudesse estar no meio das suas ovelhas.

Para o jornalista do “Le Figaro”, Jean-Marie Guénois, a visita ao Brasil marca o “nascimento” e o descolar de um pontificado. Nos dois encontros com os bispos o Papa clarificou a sua perspetiva e o seu programa para a Igreja.

Tornar-se próximo dos que vivem nas “periferias existenciais” é uma das maiores preocupações do Papa, anterior até à sua eleição. Aos bispos latino-americanos denunciou que “existem pastorais ‘distantes’, pastorais disciplinares que privilegiam os princípios, as condutas, os procedimentos organizacionais... obviamente sem proximidade, sem ternura, nem carinho”.

No encontro com os bispos brasileiros explicou o que entende por pastoral. “Quero lembrar que ‘pastoral’ nada mais é que o exercício da maternidade da Igreja. Ela gera, amamenta, faz crescer, corrige, alimenta, conduz pela mão... Por isso, faz falta uma Igreja capaz de redescobrir as entranhas maternas da misericórdia. Sem a misericórdia, poucas possibilidades temos hoje de inserir-nos num mundo de ‘feridos’, que têm necessidade de compreensão, de perdão, de amor”.

É cada vez mais claro que o Papa Francisco está a protagonizar uma “Revolução da Ternura”, que passa muito mais pelo acolhimento do que pela condenação. Quer que a Igreja reaprenda a “gramática da simplicidade”. E que, com a “criatividade do amor”, reinvente o anúncio de Jesus Cristo. Hoje.

(Texto publicado no Correio da Manhã)