sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O CR7 da política

Após a vitória de Portugal contra a Suécia, milhões de portugueses, brasileiros e fãs de Cristiano Ronaldo em todo o mundo suspiraram de alívio. A seleção e o seu “comandante” asseguraram a presença no Mundial do Brasil.

Ao longo do desafio experimentaram-se as emoções mais díspares. A apreensão dos primeiros minutos e a irritação com as oportunidades perdidas. O descanso com o primeiro golo e depois o adormecimento. O susto com os dois tentos suecos, com o ressurgir dos pensamentos mais derrotistas. Finalmente, o alívio e a certeza da passagem à fase final do Mundial.

Nos minutos finais do jogo os comentadores sublinhavam o contributo decisivo de Ronaldo, que carregou a equipa às costas e a retirou do buraco em que se tinha metido. Todos os três golos deixaram bem evidente a genialidade do avançado português. Aproveitou três passes que o isolaram, cavalgou para a baliza e marcou.

No dia a seguir dificilmente algum português não sabia que Portugal tinha carimbado o passaporte para o Brasil. A esmagadora maioria sabia quem tinha marcado os três golos. Provavelmente, poucos se lembravam de quem tinha feito os passes de morte para o melhor jogador do mundo poder faturar. Não lhe retirando o valor, que é indiscutível, também é de realçar o papel de Moutinho e Hugo Almeida que lhe colocaram a bola em condições para ele poder brilhar.

Durante noventa minutos e mais algumas horas, Portugal esqueceu a crise, o défice e a troika. Porém, logo no dia seguinte, os que foram ressarcidos dos subsídios que não tinham recebido viram evaporar-se-lhes a alegria, ao constatarem as migalhas que recebiam. Os que não tinham emprego, nem isso receberam; provavelmente, continuam desempregados e sem motivos para se alegrarem. Aos que passam mal por causa da crise não foi a vitória de Portugal que lhes resolveu os problemas.

Todos aspiramos a um CR7 da política. Que retire o país do buraco em que se meteu. Que saiba encontrar as pessoas certas que lhe “passem” as estratégias adequadas para vencer a crise. Que não desperdice as oportunidades. E que dê a volta ao futuro de Portugal. Tal como a Igreja Católica parece já ter encontrado o seu para a liderar.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O Sínodo de Francisco

A atenção mediática concentrou-se no inquérito preparatório do próximo Sínodo dos Bispos, o que é compreensível pelas temáticas abordadas, tendo passado quase despercebida a renovação que o Papa quer introduzir nessa estrutura e a originalidade do documento que o contextualiza e prepara.

Na entrevista concedida a António Spadaro, publicada nas revistas dos jesuítas de todo o mundo, o Papa Francisco reconhecia: “Na minha experiência de superior na Companhia, para dizer a verdade, nem sempre me comportei assim, ou seja, fazendo as necessárias consultas. E isso não foi uma boa coisa”. Erro que agora não quer repetir no governo da Igreja.

Para o evitar, a primeira medida que tomou em ordem a tornar o papado mais colegial, foi a nomeação dos oito cardeais com a responsabilidade de analisar os dossiers mais complexos e de o ajudar a tomar as decisões mais acertadas. Na mesma linha, pretende fazer com que o Sínodo dos Bispos se transforme numa estrutura “quase permanente de consulta”, como revelou o arcebispo italiano Lorenzo Baldisseri, secretário do Sínodo, na apresentação da próxima reunião desse organismo.

O jornalista Sandro Magister, no sítio religioso da internet, ligado à revista italiana “L'Espresso”, sublinha, para além dessa renovação no funcionamento, a novidade da modalidade adotada na sua preparação. “Todos os Sínodos anteriores, no arco de meio século, haviam sido precedidos por documentos preparatórios prolixos, abstratos e chatos”, diz Sandro Magister. Neste, o texto que antecede as questões do tão divulgado inquérito é “um documento de trabalho conciso e concreto”.

Numa primeira parte faz-se a descrição das principais problemáticas, “até há poucos anos inéditas”, que afetam a família e “exigem a atenção e o compromisso pastoral da Igreja”. Segue-se-lhe a exposição da conceção bíblica da família e dos ensinamentos do magistério da Igreja, desde o Concílio Vaticano II até à encíclica “Lumen Fidei”.

Apesar de breve, este documento, consegue dar uma radiografia bastante completa da temática da família e uma síntese extraordinária dos textos bíblicos e do pensamento da Igreja contemporânea sobre o assunto.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O inquérito Papal

O Papa divulgou, na semana passada, o desejo de consultar toda a Igreja sobre a problemática da família. Esta iniciativa foi considerada por vários média como inédita e sem precedentes. Contudo, é um procedimento habitual na preparação de qualquer Sínodo dos Bispos.

O Sínodo dos Bispos, tal como se desenvolve na atualidade, é um organismo instituído pelo Papa Paulo VI a 15 de Setembro de 1965, quando ainda decorria o Concílio Vaticano II. Surge como resposta aos anseios dos padres conciliares de uma maior colegialidade episcopal, e de uma maior abertura da Igreja à participação de todos, que o atual Papa quer intensificar. Tem como principal missão ajudar o “Romano Pontífice” a aclarar e a consolidar as questões de fé, dos costumes e da disciplina, bem como a relação da Igreja com o mundo, como define o Código de Direito Canónico, no cân. 342.

Todos os Sínodos têm sido precedidos por uma consulta aos fiéis de todo o mundo. Todavia, nunca um documento preparatório teve tanta divulgação mediática como este último. Não foi só por ter sido anunciado pelo Papa, mas, sobretudo, pela temática que é colocada à reflexão de todos. São assuntos polémicos, dentro e fora da Igreja, dos quais os média têm destacado os seguintes: as uniões de facto, os divorciados recasados, as uniões homossexuais, a adoção de crianças por estes últimos.

Para realizar a auscultação das pessoas têm-se seguido diferentes metodologias. Nos Estados Unidos, os bispos confiaram aos párocos a responsabilidade de recolher as respostas dos seus paroquianos e elaborarem uma síntese de todas as opiniões manifestadas. No Reino Unido o inquérito foi disponibilizado na Internet e pode ser respondido de forma anónima, competindo à Conferência Episcopal retirar as conclusões a enviar para Roma. No nosso país, ainda não foi definida a forma como os fiéis vão ser ouvidos.

Como resultado desta auscultação e da reflexão dos bispos durante o Sínodo, será publicada uma Exortação Apostólica, assinada pelo Papa. Não se preveem mudanças na doutrina católica sobre o matrimónio e a família, mas é razoavelmente seguro que a forma da Igreja lidar com estas questões não será a mesma depois deste Sínodo.

(Texto publicado no Correio da Manhã)

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Santos sem cemitérios

Hoje a Igreja Católica celebra a Solenidade de Todos os Santos. Num dia recorda todos os homens e mulheres que vivem para sempre junto de Deus. Uns têm sido declarados santos, ou seja, canonizados, ao longo destes vinte séculos de história, e são festejados ao longo do ano. Outros são-no de facto, apesar de ainda não terem sido reconhecidos, e são lembrados no dia de hoje.

Apesar de este ser o verdadeiro sentido da solenidade, que hoje se comemora, nos últimos anos, por ser feriado, aproveitava-se esta data para fazer a visita aos cemitérios. Antecipava-se assim para o dia anterior o que deveria acontecer no seguinte, o dia dos Fiéis Defuntos. Com o passar dos anos, generalizou-se a ideia de que este era o dia próprio para ir aos cemitérios. Transformaram-se, assim, os Santos em Finados.

Por isso, estranhou-se que a Igreja tivesse aceitado suprimir este em vez de outro feriado religioso, como por exemplo o 15 de Agosto. Esta teria sido provavelmente uma melhor opção. A maioria dos trabalhadores, devido ao calendário letivo, tem de marcar as suas férias para esse mês, pelo que a supressão do feriado não iria afetar as inúmeras festas que acontecem nessa data, em todo o país – uma das razões invocadas para o manter. Mas não foi esta a opção seguida, diz-se que por pressão da Madeira e do seu presidente regional.

Este ano, os Fiéis são a um sábado, pelo que muitos poderão visitar o cemitério. Neste sentido, é uma oportunidade para a Igreja libertar os Santos da recordação dos defuntos e fazer, no dia que lhe pertence, as orações de sufrágio, nos cemitérios. No próximo ano ainda se poderá desenrolar esse ritual no dia certo, pois será um domingo. Nos anos seguintes, terá de se encontrar a data mais propícia, sábado ou domingo, para fazer essa homenagem aos entes queridos. Dificilmente voltará a ser nos Santos, pelo menos, enquanto se mantiver a supressão do feriado.

Duvida-se, valha a verdade, dos benefícios que possam advir para a economia do país da supressão de um feriado. Mas, pelo menos, a Igreja Católica ganhou com a purificação do dia de Todos os Santos do contágio dos sentimentos próprios do dia de Fiéis Defuntos.

(Texto publicado no Correio da Manhã)