domingo, 19 de janeiro de 2014

O anticiclone papal

Foto de Alessandra Tarantino, retirada do The Washington Times
A divulgação da lista dos escolhidos do Papa Francisco para receberem o título de cardeal, no próximo dia 22 de Fevereiro, provocou um verdadeiro anticiclone na Igreja. Teve o seu epicentro na Praça de S. Pedro, durante o Angelus do passado domingo, com ventos de renovação que varreram todo o mundo e abalaram os alicerces de vários edifícios fundados em lógicas carreirísticas. O sol brilhou e aqueceu o coração dos que vivem entre a Primavera e o Verão de uma Igreja que se rejuvenesce e desenvolve. Mas para os que veem cair as folhas de um passado considerado glorioso, e atravessam o Inverno do seu próprio anquilosamento, ainda que brilhe o sol, este novo vento traz frio, gripe e constipações.

Foi um anticiclone que deixou, apenas, quatro barretes cardinalícios na cabeça dos colaboradores mais próximos do Papa. Para além desses, só dois ficaram na Europa. Outros foram enviados para lugares mais ou menos recônditos e inesperados. Paragens que estavam habituados a recebê-los viram defraudadas as suas expetativas.

De entre as maiores surpresas destaca-se a nomeação do arcebispo de Perugia e a não inclusão dos titulares de dioceses como Veneza ou Turim, habituadas a serem distinguidas com essa dignidade. Transpondo para o contexto português o significado da escolha daquela diocese italiana, seria como se o Papa fizesse cardeal o arcebispo de Braga ou de Évora em detrimento do de Lisboa.

O Papa Francisco surpreendeu, também, ao incluir na lista dos cardeais o nome de D. Chibly Langlois, bispo da pequena cidade de Les Cayes, no Haiti. Para além de selecionar o bispo de um país periférico no contexto eclesial e mundial, que nunca teve um cardeal, vai buscá-lo à periferia da periferia haitiana. Seria como em Portugal escolher o bispo de Bragança ou dos Açores, as dioceses mais distantes da capital, conforme se considere o continente ou o todo nacional.

A lista dos purpurados de Bergoglio, sendo surpreendente, é todavia congruente com a sua atenção às periferias, a qual não se tem cansado de referir nas mais variadas circunstâncias. Verifica-se, uma vez mais, uma profunda coerência entre as palavras do atual Papa e a forma concreta como governa a Igreja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 17/01/2014)

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