domingo, 28 de setembro de 2014

Papa prende bispo

Arcebispo Josef Wesolowski
Foto retirada daqui
O Papa Francisco recebeu esta semana os bispos por ele nomeados durante o último ano. E, tal como noutras circunstâncias, usou esse encontro para sublinhar algumas das características que quer ver nos Pastores da Igreja: acima de tudo não quer que estes sejam “apagados ou pessimistas”, mas que cultivem e ofereçam ao mundo a “alegria do Evangelho”.

Quando são colocados numa diocese não devem aspirar a uma outra. Têm de resistir à tentação de mudar de povo, bem como de “mudar o povo”. E devem ter uma particular atenção aos mais jovens e aos mais idosos.

O Papa solicitou também aos bispos uma grande disponibilidade para receber, acolher, escutar e guiar os sacerdotes que lhes são confiados. E a manterem-se “acessíveis” a todos, “sem discriminação”. Na Evangelii Gaudium já tida recomendado aos bispos que deviam “ouvir a todos, e não apenas alguns sempre prontos a lisonjeá-lo” (nº31). Agora pediu-lhes para resistirem à “tentação” de sacrificar a própria liberdade rodeando-se de “cortes ou coros de consenso”.

Os bispos são chamados, segundo o Papa, a oferecer nos mais diversos contextos “a doçura de uma paternidade que gera”, acompanhada da “firmeza da autoridade que faz crescer”. No exercício do ministério petrino, Jorge Mario Bergoglio tem preconizado para os bispos a bondade e o acolhimento. Mas não abdica da determinação e da firmeza em relação a eles quando as circunstâncias o exigem.

Disto é um bom exemplo a forma como conduziu o escândalo do ex-núncio apostólico na República Dominicana, o arcebispo Josef Wesolowski. Logo que foram tornados públicos os comportamentos reprováveis do representante diplomático da Santa Sé junto do Governo daquele país, removeu-o imediatamente do seu cargo – embora lhe tenha garantido a liberdade de movimentos, em Roma, enquanto decorria o processo.

Porém, quando se comprovaram as acusações, a Congregação da Doutrina da Fé fê-lo regressar ao estado laical. Enquanto decorre o processo judicial, o tribunal civil do Vaticano decretou a sua prisão domiciliária, dando seguimento “à vontade expressa do Papa, para que um caso tão sério e delicado fosse tratado sem demora, com o justo e necessário rigor”, revelou o porta-voz da Santa Sé.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 26/09/2014)

sábado, 20 de setembro de 2014

Papa “casa” divorciado

Foto de Alberto Pizzoli/AFP          
O Papa presidiu à celebração do casamento de vinte casais. De facto, não foi ele que os casou, foram eles que se casaram. É o único sacramento da Igreja em que os próprios que o recebem são eles os ministros do sacramento.

Quando se é batizado, é o diácono ou o sacerdote que batiza o catecúmeno. Quando se é crismado, é o bispo que crisma o crismando. Quando alguém é ordenado, é o bispo que ordena. Ninguém se ordena a si próprio. No caso dos bispos, é mesmo exigida a presença de três bispos, em comunhão plena com a Igreja.

Contudo, na linguagem corrente continua a dizer-se que “foi o padre tal que nos casou”. E até os próprios padres, por vezes, dizem impropriamente: “Fui eu que os casei”. Da mesma forma saíram diversos títulos referindo que o Papa casou…

Este tipo de cerimónias não é muito comum. João Paulo II só o fez por duas vezes. Bento XVI, enquanto Papa, que se saiba, nunca presidiu a um matrimónio. O Papa Francisco fê-lo pela primeira vez este domingo. Para esta celebração escolheu esposos nas mais variadas circunstâncias, entre os quais desempregados, alguns a viverem em união de facto e até um divorciado que casou com uma mãe solteira.

Foi este caso que mereceu maior destaque nos meios de comunicação social e gerou a ideia de que o Papa tinha feito algo de extraordinário. Só que o noivo, apesar de ser divorciado, conseguiu que o seu casamento religioso fosse declarado nulo. Pelo que, canonicamente, ele era solteiro e qualquer clérigo poderia ter abençoado o novo matrimónio.

O problema teria sido repetir o casamento católico sem que o anterior tivesse sido declarado nulo. Para esses é que a Igreja ainda não tem resposta. A maior parte dos divorciados não só não podem casar, novamente perante a Igreja, como também não podem aceder a outros sacramentos se estiverem a viver numa nova união, civil ou de facto.

Espera-se que o Sínodo dos Bispos reflita sobre essa e outras situações irregulares e que encontre uma solução para que as pessoas possam ser admitidas à confissão e comungar. Para já o Papa limitou-se a acolher diferentes percursos para o matrimónio e a cumprir integralmente a práxis da Igreja, sem deixar de sublinhar o carácter heterossexual do matrimónio.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 19/09/2014)

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

ONU das religiões


Abdel-Karim Allam
Foto retirada daqui
Abdel-Karim Allam, o grande mufti do Egito, classificou o Estado Islâmico como uma organização “corrupta e extremista” e sustentou que “é um erro tremendo chamar esse grupo terrorista de ‘estado islâmico’, porque ele viola todos os valores islâmicos, os objetivos mais elevados da lei islâmica e os valores universais compartilhados por toda a humanidade”. Defendeu mesmo que os seus membros devem responder em tribunal pelas atrocidades que têm cometido na Síria e no Iraque.

O líder máximo dos muçulmanos egípcios proferiu estas afirmações no início desta semana, num encontro internacional da Comunidade de Santo Egídio que reuniu 300 líderes religiosos em Antuérpia, na Bélgica.

Não se conhecem muitas condenações tão veementes na boca dos líderes religiosos muçulmanos. No entanto, como se vê, muitos deles não aprovam o derramamento de sangue pelos motivos que os fundamentalistas advogam. Motivos, esses, já agora, que são os mesmos que os católicos invocaram há séculos e que mancharam a história da Igreja – mas que, felizmente, o pensamento católico já abandonou.

O Papa Francisco tem condenado a guerra em nome de Deus. Comentando a expulsão dos cristãos de Mossul e o conflito na faixa de Gaza, disse no início de Agosto que a guerra ofende gravemente a Deus e à humanidade. “Não se faz guerra em nome de Deus!”, afirmou.

Para ultrapassar este paradoxo, o ex-presidente israelita, Shimon Peres, defendeu numa entrevista à revista “Famiglia Cristiana” a criação de uma ONU das religiões: “Creio que deveria existir também uma Carta das Religiões Unidas, que serviria para estabelecer em nome de todas as religiões que degolar pessoas ou cometer assassinatos em massa, como vemos nestas semanas, não tem nada a ver com a religião”, afirmou. “Foi isto que propus ao Papa”.

Uma ideia que o Papa terá acolhido com interesse, na demorada audiência que concedeu a Peres. Haja por parte dos outros líderes religiosos a mesma abertura e a ONU das religiões poderá vir a ser uma realidade. Mas não basta criá-la: será preciso dotá-la dos meios necessários para que consiga, não só denunciar e condenar os fundamentalismos, mas também travá-los. Em suma, evitar que haja guerras em nome de uma conceção distorcida da religião.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 12/09/2014)

domingo, 7 de setembro de 2014

Revisão do celibato

Foto: L’Osservatore Romano
Mães biológicas e espirituais de sacerdotes escreveram ao Papa para pedir que “proteja o celibato”. O documento é assinado por 332 mulheres que, desta forma, respondem a uma outra missiva, a qual em maio teve ampla divulgação mediática, de 26 mulheres que pediram a revisão dessa disciplina eclesiástica.

Há quem pense que deixando casar os padres aumentariam as vocações ao sacerdócio e que se resolveriam muitos dos problemas associados a esta prática eclesiástica. Esta é uma forma simplista e errónea de pôr a questão: não será a partir dessas teses que a Igreja concluirá pela mudança dessa práxis.

De facto, as Igrejas que têm o celibato como opcional, como é o caso das comunidades evangélicas, ou anglicanas, ou mesmo as católicas de rito oriental, têm também falta de vocações sacerdotais. Se alguns problemas se resolveriam, outros se levantariam. Talvez por isso, os bispos de rito oriental – que sempre teve padres casados – são os que olham com maior apreensão para a revisão da obrigatoriedade do celibato para os sacerdotes. Por exemplo: uma infidelidade de um clérigo afetaria, não só as promessas sacerdotais, mas também os compromissos assumidos com a sua esposa e a estabilidade da vida conjugal.

Também não se evitariam os escândalos de pedofilia, como erroneamente alguns pensam, uma vez que essas práticas são distúrbios que nada têm a ver com o facto de as pessoas serem ou não casadas.

Não é por aí que deve passar a discussão de mudar, ou não, dessa disciplina da Igreja. O que se pode vir a equacionar é a possibilidade de, em determinadas realidades, virem a ser ordenados homens casados que já têm uma vida familiar estável e desempenham um papel de liderança da comunidade. Em muitos contextos, como os de missão, são eles que orientam a celebração dominical na ausência do presbítero, que mantêm viva a fé dos crentes e a alimentam. Por que razão não podem eles ser ordenados e garantirem a celebração da eucaristia, a confissão e a unção dos enfermos a essas pessoas?

O cerne da questão não deve ser tanto o abandono do celibato, mas a revitalização das comunidades eclesiais, de forma a que elas próprias gerem os seus pastores. E estes poderão ser celibatários ou não.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 05/09/2014)