sábado, 26 de março de 2016

Páscoa é alegria

Emmaus de Janet Brooks-Gerloff, 1992.
Foto retirada daqui
O Papa Francisco mencionou na Evangelii Gaudium a situação dos cristãos que “parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa” (nº6). Referia-se às pessoas “que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar” e não conseguem descobrir a alegria da fé.

Há circunstâncias em que a piedade popular se fixa no sofrimento e lhe dá mais atenção do que à alegria. Centra-se mais no padecimento do que no júbilo pela salvação. As cerimónias da Semana Santa são disso um bom exemplo. Milhares de pessoas que acorrem hoje ao Enterro do Senhor não darão depois, amanhã à noite, tanta relevância à celebração de Jesus ressuscitado na Vigília Pascal. Só que este é precisamente o momento que deveria ser a maior festa, a maior razão de alegria e de congregação para os cristãos.

Este comportamento justifica-se por ser muito mais fácil assistir a um espetáculo, que naturalmente comove, do que participar numa celebração longa, repleta de simbolismo, que exige alguma formação religiosa para recolher o seu sentido mais profundo.

Para além disso, durante séculos a Igreja especializou-se mais em condenar e em recriminar todos os prazeres do que em anunciar a alegria da salvação em Cristo Ressuscitado. Durante demasiado tempo preferiu-se assustar as pessoas com o medo do Inferno, do que anunciar o Paraíso. Sublinhou-se o pecado em vez da graça. Até artisticamente, existem muitas mais imagens do Crucificado do que do Ressuscitado. É mais fácil desenhar ou esculpir um crucificado do que projetar numa tela a imagem do corpo glorioso de Cristo...

Felizmente, a arte e a teologia vão redescobrindo a essência da fé cristã e começam a repropor formas mais eloquentes de representar a alegria da ressurreição. Esta não prescinde nem escamoteia o sofrimento da cruz, mas não o hipervaloriza. É neste sentido que se deve reorientar a fé dos crentes em todo o mundo.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 25/03/2016)

sexta-feira, 18 de março de 2016

Igreja e tecnologia


Foto retirada daqui
O Vaticano está atento às novas tecnologias e usa-as para espalhar a sua mensagem. Após o sucesso da presença do Papa Francisco no Twitter, vai agora ter uma conta na rede social de partilha de fotografias, o Instagram, com o nome Franciscus. Essa presença inicia-se amanhã, dia de S. José, quando se comemora o terceiro aniversário da missa de início do ministério do Papa Francisco.

Para além desta iniciativa, a Santa Sé assumiu a aplicação portuguesa “Click to Pray” e deu-lhe dimensão mundial. Passou a estar disponível, para além do português, em castelhano, francês e inglês. E, graças a ela, cristãos de todo o mundo podem rezar três vezes ao dia, em união com as intenções do Santo Padre.

Na verdade, estas ditas novas tecnologias só o são para os que viveram num mundo em que elas não existiam. Para os mais novos elas são a realidade com que se habituaram a conviver. D. Claudio Maria Celli, presidente do Pontifício Conselho das Comunicações Socias, já há alguns anos contava que foi falar a um congresso sobre evangelização e novas tecnologias. Foi, então, corrigido por um jovem que lhe disse: “Novas para si, que é velho! Para mim não são nada novas”.

Uma outra transformação está também a verificar-se no que se passa pela Internet. Há bem pouco tempo falava-se de “realidade virtual”, de “comunidades virtuais” e até de “paróquias virtuais”. Cedo, porém, se começou a perceber que o que acontece na rede é cada vez menos virtual e é, cada vez mais, uma extensão da vida real – um espelho da realidade, até. Por isso, as comunidades virtuais converteram-se em redes sociais. E, tal como tudo na vida, o que acontece e se transmite on-line pode ter os seus efeitos positivos, mas pode igualmente ampliar e acentuar efeitos perversos. Compete também à Igreja aproveitar todas as potencialidades das ainda consideradas novas tecnologias e alertar para os seus perigos.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 18/03/2016)

sexta-feira, 11 de março de 2016

Pai moral e global


Imagem televisiva da eleição do Papa a 13/03/2013
Foto retirada daqui
O cardeal Jorge Mario Bergoglio calçou as sandálias do pescador há três anos e já calcorreou quatro dos cinco continentes. A sua mensagem e, particularmente, os seus gestos, têm tido uma repercussão global. Para o padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, ele é cada vez mais “o líder moral” do planeta: “A humanidade olha o Papa Francisco como uma pessoa que a ajuda a encontrar orientação, a encontrar uma mensagem de referência numa situação que – em muitos aspetos – é de grande incerteza”, afirmou.

Francisco aparece num momento em que a humanidade atravessa uma crise global e se sente órfã de líderes que a conduzam com segurança. Por isso, rapidamente, adotou-o como um pai. Uma paternidade moral e planetária, que ele tem exercido com firmeza, assim como com ternura e misericórdia.

É um Papa particularmente atento aos mais desfavorecidos e às “periferias existenciais e geográficas”. Mas não deixa de ser exigente e determinado, sobretudo com os que lhe estão mais próximos, como a Cúria Romana. Como um verdadeiro pai de família, “ama os seus filhos, ajuda-os, cuida deles, perdoa-os”. E, como pai, “educa-os e corrige-os quando erram, favorecendo o seu crescimento no bem”. As palavras são de Francisco referindo-se à misericórdia divina, mas traduzem bem a forma como ele tem exercido o seu Pontificado.

Tem sido também um verdadeiro Pontífice, no sentido em que é um fazedor de pontes. Tem promovido a reconciliação do mundo com a Igreja na forma como aborda as chamadas questões fraturantes, procurando ser inclusivo. Tem contribuído para a reconciliação entre povos desavindos. Tem promovido o diálogo inter-religioso (entre diferentes credos) e ecuménico (entre cristãos de diferentes igrejas).

É esta forma de proceder que lhe tem dado uma popularidade global. Mas também lhe tem valido as críticas dos que receiam aventurar-se em caminhos não trilhados.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 11/03/2016)

sexta-feira, 4 de março de 2016

Dinheiro sujo

Foto retirada daqui
O Papa Francisco não desconhece que o “dinheiro sujo” proveniente de atividades ilícitas, ou manchado pela exploração dos trabalhadores, é introduzido na Igreja e, por vezes, aceite em diversas organizações católicas. Porventura, também em Portugal. Muitas das vezes sem que os responsáveis pelas comunidades disso se apercebam. E (espera-se...) habitualmente sem o seu consentimento ou a sua colaboração.

Na sua primeira entrevista ele confidenciou que, quando era arcebispo de Buenos Aires, determinadas pessoas chegaram a propor-lhe doar uma avultada quantia para uma obra de beneficência a troco de um recibo de montante superior. Nessas circunstâncias, dada a importância do que pretendia levar por diante e do bem que isso significaria para as pessoas, podia ter sido grande a tentação de pactuar com esse esquema. Mas o cardeal Bergoglio soube resistir-lhe e recusou a proposta.

Isso dever-se-á ao facto de ele ser um “homem resolvido”, como alguém dizia há dias. Pode, por isso, ter palavras duras para quem alinha em esquemas ou tem comportamentos menos corretos na relação da Igreja com o dinheiro.

Na última audiência o Papa apontou o dedo aos que, para sossegarem a sua consciência pesada, fazem consideráveis doações à Igreja. Dinheiro manchado pelo “sangue de tanta gente explorada, maltratada, escravizada pelo trabalho mal pago”. A esses ele diz: “O Povo de Deus –quer dizer, a Igreja – não precisa do dinheiro sujo, precisa de corações abertos à misericórdia de Deus”. Ou seja, precisa de homens e de mulheres que aproveitem este Ano Jubilar da Misericórdia, se arrependam do seu proceder, acolham o perdão de Deus pelos seus atos e se aproximem do altar de “mãos purificadas, evitando o mal e praticando o bem e a justiça”.

Oxalá que a Igreja, também entre nós, não se deixe tentar pelo dinheiro conspurcado com o sangue e o suor dos explorados.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 04/03/2016)