sexta-feira, 28 de outubro de 2016

A Igreja e a cremação

Foto retirada daqui
Os primeiros cristãos começaram a designar o local de deposição dos mortos como cemitérios. Deixou de ser a necrópole (cidade dos mortos), como acontecia nas culturas grega e latina, para passar a ser o terreno onde os corpos são depositados. Onde é semeado o corruptível para ressuscitar incorruptível, na perspetiva de S. Paulo (Cf. 1 Cor. 15, 42).

Desde então, a Igreja Católica continua a privilegiar a sepultura dos mortos, embora Paulo VI, em 1963, tenha aberto a possibilidade de estes poderem ser cremados por “razões de ordem higiénica, social ou económica”. É o que sucede nas restantes igrejas cristãs, com exceção da Igreja Ortodoxa, que não admite essa prática. O mesmo se passa com os judeus e os muçulmanos.

O Vaticano, através da Congregação da Doutrina da Fé, divulgou esta semana uma instrução em que se reafirma esta práxis e em que aborda as questões em torno da cremação. “A Igreja continua a preferir a sepultura dos corpos uma vez que, assim, se evidencia uma estima maior pelos defuntos; todavia, a cremação não é proibida, a não ser que tenha sido preferida por razões contrárias à doutrina cristã”, refere o documento.

A sepultura dos entes queridos facilita uma leitura do acontecimento da morte mais em sintonia com a perspetiva cristã. Já a cremação pode originar o que o documento denomina “conceções erróneas sobre a morte”: as que a percebam como “o aniquilamento definitivo da pessoa”; “o momento da sua fusão com a Mãe natureza ou com o universo”; “uma etapa no processo da reincarnação”; ou, ainda, “como a libertação definitiva da ‘prisão’ do corpo”.

Por isso, a Igreja admite a cremação, mas propõe que as cinzas sejam sepultadas num cemitério ou num local sagrado. E não admite a “dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água” ou que estas sejam conservadas “sob a forma de recordação comemorativa em peças de joalharia ou em outros objetos”.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 28/10/2016)

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O “Papa Negro”

Papa Francisco com P. Arturo Sosa, Geral dos jesuítas
Foto retirada daqui
Os jesuítas elegeram o venezuelano Arturo Sosa para seu Superior Geral, no último fim de semana. Durante quase cinco séculos de história – completaram no mês de setembro 476 anos de existência – essa função foi sempre desempenhada por europeus e, salvo raras exceções, oriundos da Europa Ocidental.

Desde esta semana, tanto o Papa Francisco como o denominado “Papa Negro”, são oriundos do mesmo continente. Esta designação deve-se ao facto de o Superior Geral dos Jesuítas usar a batina negra própria dos clérigos e ambos receberem um encargo vitalício. Ainda que, como aconteceu com Bento XVI, bem como com os últimos Superiores Gerais, possam renunciar aos seus cargos.

No passado, falava-se destes dois Papas também pelo poder que o Superior Geral detinha dentro da Igreja e fora dela, uma vez que os jesuítas geriam as mais destacadas universidades do mundo e estavam presentes nas principais cortes, nomeadamente como confessores de reis e de rainhas.

Foi o seu poder de influência nas decisões políticas que terá despertado invejas e motivado a perseguição que culminou, em 1773, com a supressão da Companhia de Jesus. Acabaria por ser restaurada em 1814 e, desde então, tornou-se num dos institutos religiosos masculinos com maior número de membros: atualmente tem mais de quinze mil jesuítas, espalhados pelos cinco continentes, com uma particular dedicação ao ensino e à investigação. Apesar de, em muitos contextos, conviverem com as elites, também não esquecem os mais pobres e a atividade missionária nos países mais recônditos.

Arturo Sosa vai liderar esta relevante congregação da Igreja. Contará, certamente, com a cumplicidade do Papa. Para além de ambos serem latino-americanos, une-os uma amizade desenvolvida no interior da Companhia de Jesus, anterior aos cargos que agora desempenham. E partilham a mesma preocupação e empenhamento na luta contra a pobreza.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 21/10/2016)

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Os cardeais de Francisco

Foto retirada daqui
O Papa Francisco anunciou este domingo a criação de 17 novos cardeais no consistório que se realizará a 19 de Novembro, na vigília do encerramento da Porta Santa do Ano da Misericórdia.

Quatro dos cardeais agora nomeados ultrapassaram os oitenta anos, pelo que já não poderão participar na eleição do Papa. Um deles é um sacerdote albanês, perseguido pelo regime comunista que proclamou a Albânia como “o primeiro estado ateu no mundo”. O P. Ernest Simoni, agora com 88 anos, foi sujeito a trabalhos forçados entre 1963 e 1990. O seu testemunho emocionou Francisco durante a visita à Albânia em Setembro de 2014, que agora decidiu conceder-lhe o título cardinalício.

Esta não é uma novidade de Francisco. Já no consistório de 26 de Novembro de 1994, João Paulo II fez cardeal Mikel Koliqi, ele um sacerdote albanês perseguido pelo comunismo.

Com mais esta nomeação de Francisco, continua a verificar-se a tendência de universalização do colégio cardinalício iniciada por Pio XII. Desde então, tem vindo a diminuir o número de cardeais italianos e europeus e a aumentar o dos oriundos de outras geografias. Dos 13 cardeais com menos de 80 anos, três são europeus, três da América Latina, três dos Estados Unidos, dois africanos, um da Ásia e outro da Oceânia. Isto traduz bem a preocupação de Francisco em nomear cardeais dos cinco continentes.

Para além dessa tendência, o Papa continua a não atribuir o barrete cardinalício em função das prerrogativas que determinadas dioceses adquiriram no passado, mas sim pelo perfil pastoral dos bispos escolhidos para receberem essa distinção. Os bispos de Turim e de Veneza, dioceses habituadas a ter um cardeal, voltaram a ser preteridos nas escolhas do Papa.

A lógica de Francisco não é a dos privilégios, por vezes adquiridos no passado a peso de ouro. A sua lógica é pastoral, determinada por uma especial atenção às “periferias”.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 14/10/2016)

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Impostos e Igreja

A Igreja Católica em Portugal não está isenta de impostos como, por vezes, se afirma em público: está isenta de alguns impostos, tal como acontece com os partidos e outras instituições, nomeadamente do IMI de prédios afetos a determinadas atividades. Os sacerdotes católicos também não estão isentos de impostos e, até no exercício do seu múnus sacerdotal, pagam IRS sobre os rendimentos recebidos.

A Doutrina Social da Igreja defende políticas fiscais justas como forma de harmonizar os direitos da propriedade privada com as exigências do bem comum. O documento do Concílio Vaticano II Gaudium et Spes denuncia todos os subterfúgios de éticas de cariz individualista “que promovem a fuga aos impostos e outras obrigações sociais”. Na Evangelii Gaudium o Papa Francisco denuncia mesmo a “corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais”.

Ainda que alguns impostos – como infelizmente acontece tantas vezes... –  sejam desviados para alimentar clientelas e aumentar certos patrimónios, a Igreja nunca poderá pactuar com esquemas de fuga aos impostos e, muito menos, abençoá-los no seu discurso oficial. Só assim poderá manter a sua autoridade moral intacta para exigir uma justa redistribuição da riqueza, com prioridade às necessidades dos mais pobres.

Em relação ao IMI, se as outras instituições deixarem de estar abrangidas por essa isenção, a Igreja Católica não deverá exigir a sua manutenção para si. Deverá, isso sim, propor ao Estado que a verba daí resultante não se dilua no conjunto dos impostos arrecadados, mas que seja utilizada para ajudar as populações no restauro do seu património e para apoiar os mais desfavorecidos, nomeadamente, ampliando os apoios às IPSS’s que deles se ocupam.

E a Igreja deve – sempre! – pugnar para que sejam implementadas medidas mais eficazes na luta contra a corrupção e a formação de clientelas.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 07/10/2016)